sábado, 24 de setembro de 2011

“O Retrógado Tecnológico”

Acho muito interessante o enorme sucesso atual dos aplicativos que emulam fotografias antigas, como o “Instagram” ou o “Retro Camera”.
Sem nos referirmos a questões de linguagem, poética, discurso, beleza, podemos dizer que a fotografia digital surgiu com “baixa qualidade” comparada ao padrão mais utilizado na época: o do filme fotográfico. O digital evoluiu, e hoje tem-se “excelente qualidade” (definição, resolução, sensibilidade à luz, etc.) por um preço bastante acessível.
É quando entram os tais aplicativos simulando a estética de antigamente, na maioria das vezes decorrente de problemas que cada câmera ou período possuíam: objetivas que resultavam em imagens pouco nítidas, negativos com a emulsão riscada, cores imprevisíveis na ampliação, entrada de luz na câmera, e outros.
Penso então em uma frase que diz que é fácil não se ter apego ao dinheiro quando se tem muito dinheiro (ou algo parecido). Tendo, pode-se dar ao luxo de não precisar ter!
Ou seja, quando todas essas características mencionadas ocorriam por limitações da época (por não se ter o conhecimento ou por custos proibitivos), eram defeitos.
Hoje, como podemos gerar imagens de altíssima qualidade técnica se assim o quisermos, podemos também nos dar ao luxo de gerar imagens de baixa qualidade por puro saudosismo, aos que vivenciaram isso, ou modismo, aos da nova geração.
Utilizamos não por limitações, mas por escolha própria. É possível que, passada a novidade, de tão usada torne-se tão comum a ponto de deixar de ser vista como a “técnica pela técnica”, “utilizar para dizer que utilizou”, passando a ser mais uma ferramenta de expressão, entre tantas. Decide-se criar uma imagem riscada e com as bordas veladas ao invés de uma imagem nítida e “corretamente” exposta numa fotografia da mesma maneira que se escolhe uma tinta azul ao invés de amarela numa pintura, ou opta-se por uma LOMO ao invés de uma 5D como se opta por grafite ao invés do pastel num desenho.



sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Flat Iron Building - Análise de uma Imagem


A fotografia analisada, intitulada “Flat Iron Building”, é de 1903, em preto-e-branco, e possui formato retrato com proporção aproximada de 2:1. Foi produzida pelo fotógrafo americano Alfred Stieglitz, e retrata uma cena urbana iluminada por luz natural, muito difusa e suave. O aspecto acinzentado de um dia frio e nublado de inverno diminui o seu contraste.
A imagem é composta predominantemente por linhas retas formadas pelas árvores, cercas, e mais ao fundo pelo prédio e suas janelas.
Em primeiro plano vemos o tronco de uma árvore, posicionado no terço direito, que se bifurca no terço superior, conduzindo o olhar para um dos pontos áureos da fotografia e conferindo à composição um efeito plástico extremamente interessante. Finos galhos aparecem no canto superior esquerdo, ajudando a emoldurar a cena. A escala de cinza tem seu tom mais escuro nesse tronco, ficando cada vez mais claro à medida que os elementos vão se afastando do primeiro plano, intermediada pela neve no chão, até chegar ao prédio ao fundo, que se funde com o céu, formando assim uma perspectiva tonal que, aliada à perspectiva cônica com dois pontos de fuga evidenciada pelo prédio juntamente com a escala dos elementos próximos e distantes, cria o volume e a profundidade da obra.
A composição é harmoniosa e possui um equilíbrio extremamente requintado, pois o balanceamento dos pesos visuais não é feito simplesmente com formas semelhantes distribuídas uniformemente, o que conferiria um aspecto monótono e estático à obra, mas sim através de compensações mais complexas onde uma grande massa com tom claro é equilibrada por uma forma menor e mais longilínea com tom escuro, onde a divisão horizontal ao meio da imagem pela linha formada pelo topo das copas das árvores é balanceada pela utilização dos terços, e onde a rigidez das linhas verticais é quebrada pelas linhas inclinadas e sinuosas. Assim, o autor criou esse estado de tensão tão sutil, conferindo à obra sua grande qualidade de possuir um ritmo calmo, lento, silencioso, sem em nenhum momento ser enfadonha ou desinteressante.
O elemento natural, representado pelo tronco da árvore em primeiro plano, dialoga diretamente com o elemento construído pelo homem, representado pelo prédio ao fundo.
O efeito da luz sobre a imagem, assim como a indumentária de época da mulher com sua roupa volumosa e acinturada e o homem com sua cartola, nos remete às pinturas dos impressionistas Claude Monet, Édouard Manet e Pierre- Auguste Renoir.
A objetiva escolhida foi uma tele-objetiva, comprimindo os planos e diminuindo a distância aparente entre os elementos criada pelas perspectivas tonal, cônica e de escala. A granulação, apesar de fina, é presente na imagem. Essa textura proporcionada pelos grãos de sais de prata, de tamanho maior nos filmes de maior sensibilidade à luz, aliada à estética preto-e-branco, reforça a idéia de um padrão hoje comumente atribuído às fotografias artísticas.
Apesar de registrar o ambiente urbano de uma época, reproduzindo um parque e seu paisagismo, pessoas e suas indumentárias, e um edifício e seu estilo arquitetônico, a fotografia se enquadra na categoria artística, ou autoral, onde prevalece a expressão do artista, com sua visão única de mundo, e a experiência estética ou conceitual que ele quer transmitir.
A importância dessa obra do começo do século XX não é de documentar um evento, registrar um acontecimento, ou ilustrar uma matéria, mas sim de mostrar que a fotografia também é uma linguagem de expressão artística, com seus códigos e técnicas próprios, cujo objeto resultante, a ampliação fotográfica sobre papel, pode ser uma obra de arte.
O autor possui muita sensibilidade e extremo domínio das técnicas fotográficas e artísticas.
“Flat Iron Building” captura nosso olhar e exige um certo tempo de observação, com vários detalhes que vão se revelando aos poucos, surgindo da névoa, diferenciando-se através de sutis variações de tons. Instiga-nos a continuar procurando, porém de maneira calma, ao mesmo tempo que convida à reflexão. Hoje, onde tudo acontece muito rapidamente e todos nós corremos sempre apressados, muitas vezes sem mesmo sabermos o porquê, essa obra tem o poder de fazer com que paremos um pouco, transportando-nos para um lugar mais tranquilo, cumprindo com sua função expressiva de estimular a fruição.


Texto escrito por Rogério Ceneviva para a disciplina "Estética e Pensamento Fotográfico", ministrada pelo Dr. Isaac Camargo na Pós-Graduação em Fotografia da Unopar.



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Autoral / Documental: Os Diferentes Sentidos da Imagem Fotográfica

RESUMO: em nosso país, a cultura e as artes carecem de uma melhor integração com a educação, o que as exclui do cotidiano da maioria das pessoas. Já a fotografia, por meio de sua manifestação documental nos veículos de massa, dialoga mais diretamente com a população. Esse trabalho pretendeu analisar as características que distinguem e assemelham as fotografias documentais das fotografias de cunho autoral, e de que maneira elas podem transitar entre essas duas categorias, propiciando uma melhor compreensão e consequente aproximação da comunidade com as variadas formas de expressões artísticas. As opiniões de importantes teóricos da fotografia foram comparadas e tomadas como base para a análise de duas obras autorais, das artistas Claudia Andujar e Rosângela Rennó, obras essas que em outras circunstâncias fizeram parte do gênero documental. Com isso, mostrou-se que as categorizações na fotografia não são absolutas ou incontestáveis, e que ao melhorarmos nossa compreensão sobre as artes estaremos também aumentando as possibilidades para desfrutá-las.


Palavras-chave: fotografia; arte; documento; Claudia Andujar; Rosângela Rennó.



ABSTRACT: in our country, culture and the arts lack better integration with the educational system, which excludes them from the everyday life of most people. Photography, however, interacts with people in a more natural manner through its documentary manifestation in the mass media. This study aims to analyze the characteristics which distinguish documentary photographs from artistic ones, and how they can move between these two categories, assisting people in becoming more familiar with the various forms of artistic expression. The views of major photography scholars have been compared and taken as the basis for the analysis of two works of art from artists Claudia Andujar and Rosângela Rennó, works which have once belonged to the documentary genre. This showed that categorization in photography is not absolute or unassailable, and that as we improve our understanding of the arts, we become better suited for enjoying them.

Keywords: photography; art; document; Claudia Andujar; Rosângela Rennó.


Texto extraído do TCC Fase 1 de Rogério Ceneviva para o curso de Artes Visuais - Multimídia da Unopar.